Por Cristiano Santana
O livro “O Caso dos Exploradores de Cavernas” é uma obra de autoria de Lon L. Fuller, que transcreve o julgamento, no ano fictício de 4299, de quatro exploradores de cavernas, membros da Sociedade Espeleológica, os quais, após vinte e três dias presos em uma caverna, resolveram sacrificar a vida de um quinto integrante da equipe para que se alimentassem e, assim, não morressem de fome. Depois que foram resgatados, eles foram indiciados por crime de assassinato, sendo condenados em primeiro grau. Apelaram então para a Suprema Corte de Newgarth, composta de cinco juízes. A partir daí tem início um julgamento controvertido, com cada juiz apresentando uma posição sobre o caso, condenando ou absolvendo os reús de acordo com suas convicções jurídico-filosóficas.
Estrutura da obra
Estrutura da obra
A obra é dividida, basicamente, em uma pequena introdução ao julgamento, sendo seguida por cinco sessões principais que correspondem às conclusões de cada um dos juízes sobre o caso, finalizando na sentença de enforcamento dos quatro reús.
Foco central da obra
Toda a controvérsia deveu-se, principalmente, à interpretação do Estatuto (espécie de Constituição ou Código Penal) que afirmava que “qualquer um que, de própria vontade, retira a vida de outrem, deverá ser punido com a morte”.
Desdobramentos do julgamento
O julgamento tem início com a fala do presidente do Tribunal, o juiz Truepenny, é partidário da filosofia de que “lei é lei”, considerando, portanto, culpados os reús. No entanto, querendo “lavar as mãos”, sugeriu que a palavra final fosse dada ao Executivo que poderia atender a uma pedido de clemência e livrar os reús da morte.
O julgamento tem início com a fala do presidente do Tribunal, o juiz Truepenny, é partidário da filosofia de que “lei é lei”, considerando, portanto, culpados os reús. No entanto, querendo “lavar as mãos”, sugeriu que a palavra final fosse dada ao Executivo que poderia atender a uma pedido de clemência e livrar os reús da morte.
O ministro Foster, seguindo a corrente jusnaturalista, defendeu os reús, utilizando dois argumentos. No primeiro diz que os espeleólogos, enquanto na caverna, encontravam-se, não na “sociedade civil”, mas em seu “estado natural”; portanto, naquela situação a lei positivada não tinha nenhuma autoridade sobre eles. O que passou a valer dentro da caverna foi um acordo celebrado entre os exploradores, semelhante em espécie ao contratos que vigoraram nas comunidades remotas e que traçaram uma linha contínua até a formação do governo atual de Newgarth. No segundo argumento Foster afirma que a lei não pode ser levada ao pé da letra quando se diz que “qualquer um que, de própria vontade, retira a vida de outrem, deverá ser punido com a morte”. A intepretação do Estatuto não podia ser aplicada literalmente. Segundo ele, uma pessoa poderá violar a letra da lei, sem violar a própria lei. Dá como exemplo a exceção da legítima defesa, que não estava na lei, mas podia ser aceita mediante a utilização da razão e do bom senso, instrumentos que também poderiam ser aplicados no caso dos réus que tiveram uma terrível experiência naquela caverna e que de certa forma agiram na legítima defesa de suas próprias.
O terceiro Ministro a se pronunciar foi o juiz Tatting que aproveitou para refutar os argumentos de Foster, dizendo, primeiramente, que não se tratava de um caso de legítima defesa, já que o crime foi premeditado pelos quatro sobreviventes. Sobre a suposta “proposta” da lei que deveria ser enxergada pelos juristas, Tatting desafia Foster a dizê-la, haja vista que inúmeras teorias sobre a finalidade da legislação existiam naquela época. Afirmou, também, que Foster escolhia de maneira ardilosa os precedentes jurisprudencionais apropriados para apoiar sua argumentação, pois parece que ele tinha esquecido de um, muito importante, o caso Commonwealth v. Valjean, no qual o reú foi condenado por roubar um filão de pão. Ora, se o tribunal condenou esse homem por um crime, embora em condição famélica, por que iria absolver os famélicos da caverna? No entanto Tatting ficou “em cima do muro” e pediu afastamento do caso por estar envolvido emocionalmente.
Na opinião do quarto, o juiz Keen, a sentença condenatória devia ser mantida. Ele aproveitou para desferir fortes críticas ao juiz Foster. Segundo ele o direito positivo deveria predominar sobre o direito natural e que a lei devia ser cumprida sem exceções.
O último Ministro a pronunciar-se foi o juiz Handy que defendeu a necessidade de se aplicar o bom senso ao caso. “Essa é uma questão de bom senso a ser exercitada no contexto, não em alguma teoria abstrata, mas para realidades humanas”. Defendeu que os profissionais do Direito fossem mais humanos e menos secos ao tratar sobre cada caso. Sugeriu que seria melhor seguir a opinião pública, que, comovida, pedia a absolvição dos reús.
Sentença - Inocentes ou culpados pelo ato de canibalismo?
Como houve empate nos votos dos juízes da Suprema Corte, foi mantida a decisão anterior de considerar culpados os exploradores de caverna, encerrando o caso, o triste fim que ninguém esperava.
Minha opinião sobre a sentença
Na minha opinião, se tal julgamento tivesse de fato ocorrido, é evidente que a sentença não se basearia na pura, seca e abstrata lei positiva, e isso pelos seguintes motivos:
Na minha opinião, se tal julgamento tivesse de fato ocorrido, é evidente que a sentença não se basearia na pura, seca e abstrata lei positiva, e isso pelos seguintes motivos:
-Sabemos que a lei não pode cobrir todas as situações prováveis da experiência. Os fatos humanos são por demais complexos e sempre haverá casos que deverão ser julgados através da utilização de princípios gerais que permeiam a lei ou têm natureza supralegal. A lei nunca conseguirá preencher todas as lacunas.
-Há situações em que o sujeito não tem condições de agir consoante o direito. Trata-se do princípio da inexigibilidade de conduta diversa. Consoante tal princípio, pode-se dizer que para que o agente seja culpável, mister tenha cometido o fato dentro de circunstâncias normais, como algo exclusivamente seu e sob o total domínio de sua inteligência. Do contrário, estando o sujeito inserido em contexto constituído por circunstâncias anormais que influíram na prática do crime, não se pode afirmar que esse proveio inteiramente de sua conduta, por não lhe ser exigível outra dentro daquelas circunstâncias. Nesse caso a reprovabilidade da conduta desaparece, isso porque tal reprovabilidade existe exatamente quando o agente pode realizar a conduta em acordo com o ordenamento jurídico e, no entanto, age de outro modo, violando-o. Dessa forma, se dentro daquelas particularidade do fato, não era possível ao sujeito agir como normalmente o faria, a conclusão que se chega é a de que a ele não podia ser imposta a prática de outra conduta. Esse parece ser exatamente o caso dos exploradores de caverna que se encontravam diante de uma situação que não lhes apresentava conduta diversa que não aquela de sacrificar um dos integrantes da equipe para saciarem a fome. Era uma situação realmente especialíssima.
-As condições psíquicas dos réus, no momento do “crime”, certamente seriam consideradas pelo júri e pelo juiz. Hoje, mas do que nunca, a psicologia jurídica tem desempenhado um importante papel nos tribunais, principalmente na esfera criminal. Frequentemente, advogados tem obtido a absolvição de seus clientes, baseando-se exclusivamente nos aspectos emocionais que cercaram o crime. É realmente difícil condenar, a muitos anos de reclusão, um homem que, ao flagrar, inesperadamente, sua esposa com outro homem na cama, foi tomado por uma fúria descontrolada e assassinou os dois. Imaginemos qual teria sido o estado mental dos exploradores naquela terrível situação. É fácil falar que eles deveriam ter utilizado a inteligência e mantido a calma, mas quem dentre nós manteria a calma diante de uma situação tal desesperadora?
Concluindo, “O Caso dos Exploradores de Cavernas” é uma leitura recomendável àqueles que tem interesse na área jurídica, especialmente sobre a área criminal, porque aborda vários princípios, leis, dogmas (Direito Natural) do ordenamento jurídico.
O autor do livro, Prof. Lon L. Fuller (1902-1978) nasceu no Texas, cursou Direito na Universidade de Stanford e lecionou na Harvard Law School. Foi autor de oito livros e de vários artigos, quase sempre ligados à Filosofia do Direito, revelando-se um dos principais filósofos do direito norte-americano, na segunda metade do século XX. Crítico da Teoria do Positivismo, escreveu em 1964 a obra intitulada “The Morality of Law”, onde defende sua posição jusnaturalista. Como apêndice a esta obra Fuller incluiu o seu segundo caso, bem menos famoso que o primeiro: “The Case of the Grudge Informer”.
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