Por Cristiano Santana
Diz-nos as Sagradas Escrituras que João no cárcere ouviu falar das obras do Senhor Jesus. Imediatamente enviou-lhe discípulos com o objetivo de fazer a seguinte pergunta: "És tú aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?" Respondeu-lhe Jesus: "Ide contar a João as coisas que ouvis e vedes: os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são purificados, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não se escandalizar de mim."
Os comentaristas bíblicos são quase unânimes em explicar que a pergunta de João refletia um certa intranquilidade. Ele, cuja pregação era alimentada pela esperança da consumação escatológica do Reino de Deus, de forma imediata e literal, agora encontrava-se preso, desiludido. Esperava que o Messias viesse armado de pá e fogo (Mt 3:11-12), de acordo com Isaías 66:15,16. As notícias que recebe falam de um Jesus benéfico, acolhedor, disposto a perdoar. Perturbado, João queria se tranquilizar a respeito de Jesus, no sentido de saber se Ele realmente era o Messias. Acredita-se que a resposta de Jesus de alguma forma o consolou, encorajando-o a enfrentar a morte que se aproximava.
Esse texto do Evangelho de Mateus nos alerta para o perigo de atribuir ao Reino de Deus um significado, finalidade ou essência indevidos. Dizem que prevenir é melhor do que remediar. E uma das melhores formas de ordenarmos a vida no presente é aprendendo com os erros do passado. Se conseguirmos conhecer as causas que levaram João a se equivocar sobre a verdadeira natureza do Reino de Deus, seremos mais capazes de identificar fatores semelhantes, nos dias atuais, que nos levem a incorrer no mesmo erro.
A frase "Reino de Deus" não ocorre na maior parte das traduções do Antigo Testamento. Entretanto, expressões como "teu reino" e "seu reino" são frequentemente utilizadas, tendo Deus como sujeito. (Salmos 103:19, 145:11-13; Daniel 4:3, 34; 6:26). Em outra passagens o Reino de Deus é apresentado como um fato eterno, mas há também um número de passagens proféticas que, reconhecendo a extensão da rebelião humana contra a lei de Deus, olham para o futuro, para um dia em que o Reino de Deus será efetivamente estabelecido (Isaías 45:23; Zacarias 14:9).
O tema do Reino de Deus persiste na literatura tardia judaica (Sabedoria 6:4; 10:10). Na literatura apocalíptica os escritores dizem que o Reino de Deus ainda estava para ser estabelecido: "Então seu reino aparecerá em toda a criação"; "O reino pertencerá ao Deus de Israel (1QM6.6). Um certa prece judaica conhecida como Kaddish, utilizada de forma regular nas sinagogas, no tempo de Jesus, era focada na seguinte petição: "Ele pode estabelecer Seu reino em sua vida e em vossos dias, e na vida de toda a casa de Israel, de forma rápida e em um momento próximo." José de Arimatéia, um piedoso judeu que "esperava o Reino de Deus" representa a forte crença do judaísmo do primeiro século na iminência do Reino de Deus.
João Batista cresceu nesse contexto social e religioso. Por isso não assusta o fato dele ter crido que Jesus estabeleceria um reino político já naqueles dias. Com certeza João sequer imaginava que Jesus iria morrer na cruz. Para ele Jesus era o Messias-Rei que triunfaria sobre os poderes humanos e espirituais que oprimiam a nação de Israel. João cria piamente que iria testemunhar o início de uma era gloriosa para nação de Israel. Com a exaltação do Rei de Israel, todas as profecias seriam cumpridas. Prosperidade para Israel e destruição para o inimigos do povo de Deus. Mas João errou na sua interpretação da natureza do Reino de Deus, e o seu erro foi não ter enxergado o caráter salvífico e a bipolaridade do Reino de Deus.
A resposta de Jesus a João revela o verdadeiro propósito de sua manifestação ao mundo, a salvação e a restauração dos homens. Vários textos proféticos são utilizados em sua resposta a João: Isaías 26:39 (mortos), 29:18-19 (surdos), 35-5-6 (cegos, surdos, coxos, pobres), 61:1 (boas novas para os pobres). Acho que Jesus poupou a João quando não revelou o que o Pai tinha predeterminado: a cruz. Isso tudo fazia parte do plano de salvação da humanidade, o principal propósito de Deus, acima de qualquer plano político.
João não enxergou também que o Reino de Deus representava uma bipolaridade entre o presente e o futuro. Não se pode negar que e Reino é uma realidade escatológica, um cumprimento das divinas promessas, e pertence fundamentalmente ao futuro; nesse ponto Jesus não rejeita a tradição apocalíptica. Porém, Jesus também mantém que o Reino de Deus é um processo que invade aos poucos o mundo, é uma obra escatológica que progride aos poucos, ao longo da história, e que caminha para uma consumação, uma plenitude. O Reino de Deus já estava presente (Marcos 1:15). Os exorcismos de Jesus eram um sinal de que "é conseguintemente chegado a vós o Reino de Deus". Quando perguntado sobre quando viria o Reino, Jesus responde que "ele está entre vós" (Lucas 17:21). Não existe uma tensão entre o "agora" e o "depois", mas sim um continuidade temporal. O Reino de Deus, que agora é predominantemente espiritual (nem é comida, nem bebida), aos poucos vai se materializando até tornar-se realidade na existência concreta. Vê-se, assim, que a pressão de João para que Jesus agisse e inaugurasse o Reino de Deus não tinha sentido. O Reino já tinha sido inaugurado por Jesus, só que João não enxergava isso.
Infelizmente, nos dias de hoje, muitos continuam cometendo o mesmo erro de João Batista. Enxergam o Reino de Deus de uma forma distorcida, bastante equivocada. Alguns exigem que a justiça seja cumprida aqui e agora, como se o Reino de Deus já estivesse completamente estabelecido. Outros, achando que já é chegada a hora de receber todas as recompensas, sonham com uma vida longa e próspera financeiramente. Não percebem que a concretização definitiva do Reino de Deus depende da destruição e recriação do presente mundo. Há aqueles que já perderam de vista as boas novas do Reino de Deus: a promessa de salvação àqueles que crerem na mensagem do Evangelho. Acabaram desviando a finalidade da igreja. Engajaram-se em projetos políticos, transformaram o Reino de Deus em negócios. O objetivo não é mais a salvação das almas, mas a maximização do lucro. Outros valorizaram em excesso a função social da igreja, como se ela fosse capaz de resolver todas mazelas sociais.
Infelizmente, muitos estão decepcionados com Cristo devido a uma visão distorcida do Reino de Deus. Por causa desse equívoco, acabam alimentando expectativas que nunca poderão ser atendidas pelo Evangelho. Acabam reeditando o erro de João Batista.
Mas temos a confiança de que o Senhor Jesus, através do seu Espírito Santo, abrirá os olhos aos cegos e lhes permitirá enxergar a verdadeira essência do Reino de Deus, sobretudo através do trabalho incansável do exército de blogueiros evangélicos que têm sido levantados para defender a pureza do verdadeiro Evangelho.
"Porque o reino de Deus não consiste no comer e no beber, mas na justiça, na paz, e na alegria no Espírito Santo". (Romanos 14:17)
Belíssima mensagem, Amado. Deus aumente mais e mais teu discernimento para que possas nos abençoar na palavra do conhecimento de Deus.Bom final de semana na paz de Jesus.