Por Cristiano Santana
Durante um debate com um intelectual ateu, perguntei-lhe por que ele fazia o bem. O mesmo, imediatamente, lançou mão da doutrina utilitarista para justificar seus atos bondosos. Essa corrente que identifica o bem com o útil, remonta a Epicuro, tendo laços estreitos com o hedonismo, que exalta o prazer como a máxima finalidade da vida. Nos tempos modernos, foi adotada por Stuart Mill e, sobretudo, por Benthan. Para o utilitarismo, o fim de qualquer atividade humana é "a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número possível de pessoas". Fórmula enunciada primeiramente por Cesare Beccaria e aceita por Bentham e por todos os utilitaristas ingleses.
O meu oponente, então, justificou que fazia o bem para o progresso da humanidade, visando a perpetuação da espécie humana, baseando sua conduta numa causa completamente racional, desvinculada de qualquer princípio intrínsicamente moral que governe a consciência humana, nos moldes cristãos. Enfim, para ele, um ato só é bom quando tem utilidade pública.
Em princípio, através desse argumento, o ateu pode justificar porque evita roubar, matar, estuprar, etc., sem ter de obedecer a mandamentos morais. Ele efetua essa fuga argumentativa porque sabe que a moralidade, por seu caráter absoluto e universal, não pode ser obedecida sem antes haver a aceitação de que ela se baseia em algum padrão superior de perfeição que, nesse caso, é Deus, o autor da lei moral em nossos corações.
Entretanto, a doutrina utilitarista carece completamente de fundamentos sólidos. Algumas objeções que apresentaremos demonstrarão a fragilidade desse princípio de conduta, sobre o qual se baseia a ética desse ateu.
1- O indivíduo sozinho não possui usualmente (talvez nunca) a previsão para escolher aquilo que aumentará ao máximo o bem dos outros. É possível que dois utilitaristas, numa mesma situação, discordem sobre a conduta correta a ser adotada. Um pode entender que a conduta "X" possibilite a maior felicidade possível para todos, ao passo que o outro pode escolher a conduta "Y".
2- Há, também, a necessidade de uma avaliação normativa de que o resultado tenha sido melhor para a maioria, uma vez ocorrido. Não há maneira de saber se o resultado é realmente "melhor" a não ser que haja um padrão de "melhor" mediante o qual possa ser julgado. Noutras palavras, deve haver alguma norma mediante a qual se possa avaliar as consequências uma vez ocorridas (à parte da questão da necessidades de normas para guiar a pessoa em fazer ocorrer os melhores resultados). Destarte, o utilitário precisa de normas para determinar se aquelas consequências são realmente melhores e não meramente diferentes, se e quando realmente ocorrerem. Em resumo, as normas são inescapáveis, até mesmo para o utilitarista cuja posição está supostamente centralizada em fins ou resultados. Até mesmo a abordagem alegadamente não normativa exige normas para fazê-la funcionar apropriadamente. As normas são inescapáveis, quer sejam desejáveis, quer não. Destarte, a pergunta na ética não é se há normas, mas, sim, quais as normas que serão usadas.
3- Como se justifica o princípio da utilidade? Porque eu tenho de agir visando "a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número possível de pessoas?" Não há como o ateu explicar que isso faz parte de uma inclinação instintiva, formada em nós no decorrer do processo evolutivo. Toda conduta ética é uma escolha racional, calculada, pensada. Isso não tem relação alguma com instintos. O mundo do ateu é um mundo sem propósitos, visto que, para eles, o universo é resultado de um "acidente cósmico". Então não se justifica o propósito utilitarista do ateu de desejar o bem do mundo, o progresso da humanidade. É uma contradição para um ateu utilizar qualquer teleologia (doutrina das fins) para justicar seus atos bondosos.
4- De acordo com a premissa utilitarista, uma oferta de caridade que nunca chega aos pobres ou um ato de bondade para o qual não há resposta favorável não é um ato bom. Na realidade, nenhum ato em si mesmo e por si só é bom, a não ser que o bem resulte dele. E nenhum ato é moralmente certo a não ser que traga o máximo bem para o máximo número de pessoas. Nenhuma benevolência, nenhum sacrifício, nenhum amor tem qualquer valor a não ser que venha a ter bons resultados. E, inversamente, se um ato levar a efeito o bem, é um ato bom, quer tenha sido esta a intenção, quer não. Destarte, a posição utilitarista reduz o valor ético dos atos aos destinos e fortúnios da vida. Tudo está bem quando termina bem. E o que termina bem é bom. Isto significaria que as intenções das ações da pessoa não teriam qualquer conexão essencial com o bem daquelas ações. Presumivelmente, alguém poderia desejar e pôr em prática uma má ação que, pelo acaso, acabasse dando um bom resultado, e seria creditado com a prática de uma boa ação. Decerto, o acaso e a moralidade não convivem em proximidade tão estreita
5 - Vejam este caso ridículo. De acordo com o utilitarismo nós temos de checar se um determinado caso de roubo é moralmente errado ou certo através do teste do princípio fundamental de moralidade: a máxima felicidade do maior número de pessoas. Então, se eu pegar o meu vizinho utilitarista roubando minhas coisas, e ele me perguntar o que há de mal em roubar, eu terei de apresentar um argumento que conecte seu roubo com a preocupação básica de maximar a felicidade.
As objeções acima já são suficientes para mostrar que a doutrina utilitarista foi construída sobre terreno movediço. Vale a pena lembrar aqui das palavras de Paul Tillich, em seu sermão "O Novo Ser": "Não estamos em perigo ao viver um utilitarismo religioso e moral que sempre pergunta pelo propósito racional? Para Tillich "não há criatividade, divina ou humana, sem o sacrifício de um coração abundante que nunca pergunta "qual a utilidade disto?" Um ato de bondade não se justifica na utilidade, mas no valor intrínsico dos absolutos morais. O bem é bem em si mesmo. O dever não se justifica em nada a não ser em si mesmo. A única utilidade da bondade, da reta conduta é o sentimento de alegria que sentimos quando ajudamos o próximo.
Será que o utilitarista pensa no progresso do mundo quando dá um presente para a esposa ou filhos? Ou quando cuida do pai ou da mãe que está doente? O que se passa no coração de um ateu quando se recusa a trair um amigo? Sabemos que todos esses comportamentos não se explicam pela utilidade, mas sim por laços de amor e de fraternidade. São condutas determinadas por imperativos éticos plantados dentro de nós e que tem origem divina. De acordo com Richard Nieburh, a ética teológica surge do reconhecimento de que Deus é "Aquele que é" o centro do valor [moral].
Referência Bibliográficas:
1) Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia.
2) Ransey, Paul. Faith and Ethics - The Theology of Richard Niebuhr
3) Tillich Paul. Existential Sermons - The New Being.
4) Wells, Samuel. Christian Ethics. Blackwell Publishing.
5) Geisler, Norman. Ética Cristã. Editora Vida Nova.
Até mesmos aqueles que dizem ateus, tem as suas crenças.
Excelente texto. Parabéns.
shalom
luiz cledio
Origem divina?! kkkkkk!