Artigo publicado na Revista Evangélica
FÉ CRISTÃ, Mossoró/RN,
Ano 3, nº. /2002
É difícil fazer uma análise da forma de governo da Assembléia de Deus (AD), por duas razões bem distintas. Primeira, porque mesmo entendo que, na prática, inexistem formas "puras" de governo, o modelo assembleiano não se molda aos paradigmas observados ao longo da história e destacados na literatura. Segunda, porque não é fácil manter total isenção ao analisar-se a maior denominação evangélica do País, indiscutivelmente responsável por fortes influências no ambiente religioso (no íntimo das pessoas sempre houve sentimentos gratuitos de admiração ou aversão pelos "impérios" constituídos ao longo da história).
Mesmo assim, é válido tentar compreender o "modelo assembleiano", inicialmente comparando-o, mesmo que superficialmente, com as formas tradicionais de governo eclesiástico:
1) O modelo episcopal ou prelático caracteriza-se pela centralização do poder em mãos do clero mais elevado (os prelados). Apesar de alguns líderes assembleianos assumirem postura de "bispos" e suas "igrejas sede" se assemelharem a "dioceses", o modelo assembleiano dista bastante da rigidez hierárquica dos católicos romanos ou dos anglicanos (exemplos mais destacados desse gênero); como também não adota a formalidade litúrgica do poder episcopal.
2) O governo presbiteriano tem como característica predominante as tomadas de decisão nos concílios, sínodos e presbitérios, fóruns nos quais se assentam a elite da igreja (daí, esse modelo também ser denominado de oligárquico). Isto não ocorre na forma de gestão das AD's. Apesar dos presbíteros assembleianos gozarem de honra e estima, a decisão final só lhes cabe quando no exercício da função pastoral (mesmo assim, na maioria das AD's, os presbíteros atuam sob a supervisão de um pastor). Por outro lado, se algumas 'oligarquias' têm sido identificadas no meio assembleiano, é fácil constatar que não foram legalmente constituídas; mas sim compostas pela via da informalidade e do interesse de grupos.
3) O forma de governo congregacional fundamenta-se no princípio das decisões emanadas da maioria dos membros. Cada igreja, individualmente, administra seus próprios negócios (razão pela qual também recebe o nome de independente). Esse foi o modelo orientado pela igreja sueca para implantação na AD brasileira. Porém, os pioneiros fugiram desse modelo, o que gerou conflitos internos e externos que só foram minimizados quando da primeira Convenção Geral, realizada na Cidade do Natal, em 1930 ( ocasião na qual as igrejas do Norte e do Nordeste foram entregues aos obreiros nacionais).
Mas, afinal, qual é a forma de governo da AD?
Em sua tese de Doutorado em Sociologia "Protestantes e Política no Brasil", Paul Freston apresenta uma visão histórico-sociológica do pentecostalismo brasileiro e, particularmente, da Assembléia de Deus. Nesse trabalho (publicado no livro "Nem Anjos nem Demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo" ), o pesquisador agrega informações e publica suas conclusões sobre o "modelo de governo assembleiano".
Afirma esse Autor:
"O sistema de governo da AD pode ser caracterizado como oligárquico e caudilhesco. Surgiu para facilitar o controle pelos missionários e depois foi reforçado pelo coronelismo nordestino. A AD, na realidade, é uma complexa teia de redes compostas de igrejas-mães e igrejas e congregações dependentes. Cada rede não habita necessariamente uma área geográfica contígua, o que dá margem a controvérsias constantes sobre 'invasão de campo'. O pastor-presidente da rede é, efetivamente, um bispo, com talvez mais de cem igrejas e uma enorme concentração de poder." (FRESTON, p. 86).
Na defesa de sua tese, Freston recorre ao pensamento de Judith Hoffnagel (autora de uma tese de doutoramento na Indiana University/EUA, intitulada: "The Believers: Pentecostalism in a Brazilian City") segundo a qual "embora aconselhado pelo ministério, o pastor-presidente permanece a fonte última de autoridade em tudo... assim como o patrão da sociedade tradicional que, mesmo cercado de conselheiros, maneja sozi nho o poder."
Em síntese, para Freston, na visão estratégica do governo 'oligárquico e caudilhesco' assembleiano, "esse sistema de feudos é uma forma de manter o crescimento da igreja como um todo sem tocar na estrutura do poder."
O estudo trata, também, acerca da Convenção Geral das AD no Brasil (CGADB), observando que, apesar de ser considerada "órgão máximo da denominação", não tem poder legal sobre as Convenções Estaduais, não recebe subvenções das mesmas e não tem poderes para designar ou substituir os pastores em suas filiadas.
Ressalta que as Convenções e Ministérios, na realidade, estão sob o poder dos "pastores-presidentes" (líderes das "igrejas-mãe") responsáveis por dezenas ou centenas de igrejas e suas respectivas congregações. Na visão de Freston (p. 87), isso representa a aproximação sectária ao extra "ecclesiam nulla salus": o modelo assemelha-se ao católico romano, no qual os que rompem com o mesmo são considerados rebeldes e excluídos.
Conclui ainda que, historicamente, esse modelo tem gerado insatisfações e acusações próprias dos regimes caudilhistas e gerontocráticos, redundando em cismas e divisões. E que, apesar dos crescentes sinais de enfraquecimento do modelo, a renovação parece lenta demais e a AD se distancia da moderna gerência praticada na sociedade urbana, o que a coloca cada dia mais próximo de um colapso administrativo, em meio a uma fase internamente conturbada.
So lamento dizer que eh muito triste.