POR CRISTIANO SANTANA
Não há um único dia em que eu não pense sobre a brevidade da minha vida, sobre a finitude e a fragilidade da minha existência. Quando estou comendo com os amigos em um restaurante, de repente, no meio da conversa alegre, me vejo observando a multidão, e digo a mim mesmo: "uma multidão incontável de seres humanos já viveram antes de nós, cresceram, experimentaram alegrias e tristezas, sucessos e fracassos e, ao final, encontraram o destino que também está reservado a todos que estão nesta mesa: a morte". Percebo que a maioria das pessoas encontra-se tão absorvida nos negócios dessa vida, inclusive eu, que às vezes é muito difícil pensar que a morte seja realmente uma realidade.
Por algum tempo senti-me mal por causa dessa minha constante reflexão, porém depois comecei a ver o lado saudável de pensar assim. Isso de forma alguma me afunda na melancolia, pelo contrário, me faz aproveitar a vida, aproveitar o tempo e as oportunidades da melhor forma possível, sabendo que essa minha existência não se repetirá; ela me foi dada por algum tempo e cabe a mim aproveitá-la da forma mais racional possível e sem a ilusão de que tudo é para sempre.
Sempre gostei de filosofia, e confesso que me assustei quando li sobre Heidegger, um dos grandes expoentes do existencialismo. Pasmo, encontrei nas palavras de Heidegger a materialização escriturística de grande parte dos meus pensamentos. Aproveito-me da contribuição de Giovani Reale que resume maravilhosamente o pensamento desse filósofo:
"A primeira característica fundamental do homem é, pois, o ser-no-mundo. E o ser-no-mundo é um existencial, ou seja, um traço típico do homem, também o ser-com-outros é uma existencial: não há "um sujeito sem mundo", nem há "um sujeito isolado dos outros". E o ser-no-mundo manifesta-se no assumir o cuidado das coisas, o ser-com-os-outros se exprime em ter cuidado dos outros, que se torna autêntico coexistir se os outros são ajudados a adquirir a liberdade de assumir seus próprios cuidados."
"Depois do ser-no-mundo e do ser-com-os-outros, o terceiro existêncial é o ser-para-a-morte. É possível a queda do homem no plano das coisas do mundo, isto é, no plano "ôntico" ou "existentivo" -e isto é a dejeção -; mas existe voz da consciência que chama novamente à existência autêntica e que remete o homem do plano ôntico ao ontológico do existentivo ao existencial. E esta voz da consciência faz entender que a morte é uma possibilidade permanente da existência: ela é a possibilidade de que todas as outras possibilidades se tornem impossíveis."
"É assim que a morte nos proíbe perder-nos entre os objetos e de se afogar nesta ou naquela situação; ela mostra a nulidade de todo projeto. Apenas a compreensão da possibilidade da morte como impossibilidade da existência faz o homem reencontrar seu ser autêntico."
"Viver-para-a-morte": esta decisão antecipatória constitui o sentido autêntico da existência: a possibilidade do nada. "
"O ser-para-a-morte é essencialmente angústia". A angústia é experiência reveladora do nada, põe o homem diante do nada, ao nada de sentido, ou seja, ao não sentido de todos os projetos humanos e da própria existência. A angústia põe o homem diante do nada. E viver autenticamente implica a coragem de olhar para a possibilidade do próprio não ser; e, com efeito, "a existência anônima e banal não tem a coragem da angústica diante da morte. Para a existência autêntica o futuro é um viver-para-a-morte, que não permite que o homem seja arrastado nas possibilidades mundanas."
Os conceitos esposados por Heidegger, à primeira vista, parecem pessimistas demais, parecendo induzir que consideremos a vida como uma castigo ao invés de uma dádiva. Eu não vejo assim. Para mim são palavras que nos resgatam da vida hedonista, que abrem os nossos olhos para a realidade. As pessoas, hoje em dia, "depositam tantas fichas" nesta vida que, quando a tragédia lhes sobrevém, elas insanamente levantam a voz contra Deus amaldiçoando-o, colocando-o no banco dos réus. O fato é um só: cedo ou tarde a existência do homem chega a um fim e todos, sem exceção, terão essa experiência.
De certa forma encontramos ecos desse ensinamento da Bíblia Sagrada:
"Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque a sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. Observei ainda e vi que debaixo do sol não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a peleja, nem tampouco dos sábios o pão, nem ainda dos prudentes a riqueza, nem dos entendidos o favor; mas que a ocasião e a sorte ocorrem a todos. Pois o homem não conhece a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede maligna, e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enlaçam também os filhos dos homens no mau tempo, quando este lhes sobrevém de repente." (Eclesiastes 9:10-12)
Obviamente, o cristão conta com a promessa da vida após a morte, de acordo com a esperança da ressureição, mas isso não impediu o apóstolo Paulo de dizer:
"Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia; pelo que, doravante, os que têm mulher sejam como se não a tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que folgam, como se não folgassem; os que compram, como se não possuíssem; e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto, porque a aparência deste mundo passa". ( I Coríntios 7:29-31)
Para finalizar, vejamos a definição que Heidegger faz de uma vida inautêntica:
"Na vida inautêntica o homem manipula as coisas, utiliza-as e estabelece relações sociais com outros homens. Todos esses projetos, porém, em uma espécie de vertigem, atiram o homem para o nivel dos fatos. A utilização das coisas se transforma em fim em si mesma. A linguagem se transforma então no palavrório da existência anônima subjacente ao axioma "as coisas são assim porque assim se diz".
"Viver-para-a-morte": esta decisão antecipatória constitui o sentido autêntico da existência: a possibilidade do nada. "
"O ser-para-a-morte é essencialmente angústia". A angústia é experiência reveladora do nada, põe o homem diante do nada, ao nada de sentido, ou seja, ao não sentido de todos os projetos humanos e da própria existência. A angústia põe o homem diante do nada. E viver autenticamente implica a coragem de olhar para a possibilidade do próprio não ser; e, com efeito, "a existência anônima e banal não tem a coragem da angústica diante da morte. Para a existência autêntica o futuro é um viver-para-a-morte, que não permite que o homem seja arrastado nas possibilidades mundanas."
Os conceitos esposados por Heidegger, à primeira vista, parecem pessimistas demais, parecendo induzir que consideremos a vida como uma castigo ao invés de uma dádiva. Eu não vejo assim. Para mim são palavras que nos resgatam da vida hedonista, que abrem os nossos olhos para a realidade. As pessoas, hoje em dia, "depositam tantas fichas" nesta vida que, quando a tragédia lhes sobrevém, elas insanamente levantam a voz contra Deus amaldiçoando-o, colocando-o no banco dos réus. O fato é um só: cedo ou tarde a existência do homem chega a um fim e todos, sem exceção, terão essa experiência.
De certa forma encontramos ecos desse ensinamento da Bíblia Sagrada:
"Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque a sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. Observei ainda e vi que debaixo do sol não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a peleja, nem tampouco dos sábios o pão, nem ainda dos prudentes a riqueza, nem dos entendidos o favor; mas que a ocasião e a sorte ocorrem a todos. Pois o homem não conhece a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede maligna, e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enlaçam também os filhos dos homens no mau tempo, quando este lhes sobrevém de repente." (Eclesiastes 9:10-12)
Obviamente, o cristão conta com a promessa da vida após a morte, de acordo com a esperança da ressureição, mas isso não impediu o apóstolo Paulo de dizer:
"Isto, porém, vos digo, irmãos, que o tempo se abrevia; pelo que, doravante, os que têm mulher sejam como se não a tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que folgam, como se não folgassem; os que compram, como se não possuíssem; e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto, porque a aparência deste mundo passa". ( I Coríntios 7:29-31)
Para finalizar, vejamos a definição que Heidegger faz de uma vida inautêntica:
"Na vida inautêntica o homem manipula as coisas, utiliza-as e estabelece relações sociais com outros homens. Todos esses projetos, porém, em uma espécie de vertigem, atiram o homem para o nivel dos fatos. A utilização das coisas se transforma em fim em si mesma. A linguagem se transforma então no palavrório da existência anônima subjacente ao axioma "as coisas são assim porque assim se diz".
"Essa existência anônima procura encher o vazio que a caracteriza, recorrendo continuamente ao novo: ela se afoga na curiosidade. E, por fim, além do palavrório e da curiosidade, a terceira caracteristica da existência inautêntica é o equivoco: a individualidade das situações, em urna existência devorada pel0 palavrório e pela curiosidade, desvanece na neblina do equívoco. A existência inautêntica é existência anônima: é a existência do "se diz" e do "se faz".
Aqui quase podemos extrair as palavras de Jesus: "De que vale o homem ganhar o mundo inteiro e depois perder a sua alma?". As palavras de Heidegger são muito fortes, especialmente se lembrarmos que, em nossa sociedade, o que impera é o "ter" e não o "ser"?
Seria tão bom se todos os cristãos pensassem assim, principalmente aqueles que estão em evidência. Com certeza haveria redução do jogo de interesses, das disputas pelo poder, o amor ao dinheiro, etc. A constância desses males do cenário evangélico atual mostra o quanto aqueles que dizem crer no reino vindouro estão escravizados a este nosso mundo efêmero como se Deus já tivesse estabelecido o paraíso eterno . Mortais, desgraçados mortais!
Aqui quase podemos extrair as palavras de Jesus: "De que vale o homem ganhar o mundo inteiro e depois perder a sua alma?". As palavras de Heidegger são muito fortes, especialmente se lembrarmos que, em nossa sociedade, o que impera é o "ter" e não o "ser"?
Seria tão bom se todos os cristãos pensassem assim, principalmente aqueles que estão em evidência. Com certeza haveria redução do jogo de interesses, das disputas pelo poder, o amor ao dinheiro, etc. A constância desses males do cenário evangélico atual mostra o quanto aqueles que dizem crer no reino vindouro estão escravizados a este nosso mundo efêmero como se Deus já tivesse estabelecido o paraíso eterno . Mortais, desgraçados mortais!
Vivam autênticamente, "remindo o tempo, porque os dias são maus". Vivam autênticamente, sempre lembrando que vocês são peregrinos nesta terra. Não quero aconselhar a vocês a "viverem para a morte", como diz Heidegger, mas, pelo menos, vivam pensando na possibilidade da morte.
Heideggeriano. Entrei em contato com este grande pensador na faculdade de psicologia. À princípio, a exposição de seu pensamento me jogou num mar de angústia e desespero, pois me colocou frente a frente com minha própria finitude. Porém, na medida em que as aulas aconteciam, o pesamento heideggeriano foi esclarecendo que essa consciência de finitude é que projeta o homem para a frente, numa busca por dar sentido à própria vida nas coisas que faz no seu dia-a-dia, vida que ele chama de inautêntica, visto que nos desvia da ideia da realidade insuportável da morte. Tive hoje a sorte de achar seu blog e seu texto, muito bem elaborados. Parabéns pela clareza e pela coerência no link que fez entre o pensamento heideggeriano sobre a morte e o pensamento bíblico.