Por Cristiano Santana
Sem dúvida alguma, a experiência singular do novo nascimento é o milagre mais sublime que um ser humano pode experimentar. A graça irresistível atrai a criatura para um processo de transformação dramático, no qual o velho homem é destronado e substituído por um novo ser que passa a ser proclamado filho de Deus.
Todos nós, que já passamos por essa experiência, nos recordamos da poderosa intervenção de Deus em nossas vidas. Fomos libertos da tirania do pecado, e, com o auxílio do Espírito Santo, pouco a pouco no libertamos de práticas e vícios terríveis, os quais, além de serem autodestrutivos, representavam verdadeira afronta à santidade de Deus.
A partir de nossa regeneração iniciamos um novo relacionamento com Deus, mediado por Cristo e auxiliado pelo Espírito Santo. Motivados por essa nova realidade, renunciamos a antigos projetos e elaboramos outros, mais condizentes com a nossa condição de servos de Deus. No frescor do primeiro amor, idealizamos uma vida plena em todos os sentidos, com trajetória unicamente ascendente e nem mesmo cogitamos sobre a possibilidade de obstáculos no caminho.
Entretanto, com o passar dos anos, a rotina do dia a dia, problemas pessoais, responsabilidades familiares, etc. surgem como fatores de ameaça ao progresso do crente. Além disso, é possível que em dado momento experimentemos a sensação de que estacionamos espiritualmente, de que chegamos a um ponto em que não é possível mais avançar. Outros experimentam algo ainda pior, a constatação de que suas forças espirituais estão quase que completamente exauridas. Essa situação de esgotamento espiritual é ainda mais agravada se é seguida de algum tipo de crise pessoal (emotiva, profissional, etc.). De repente, o crente que resplandecia alegremente, no início de sua caminhada, encontra-se como que cercado pelos muros da angústia que pouco a pouco vão escurecendo tudo ao seu redor.
É nesse momento de desespero que o filho de Deus se conscientiza de que a reação mais adequada é voltar-se para Deus com todas as suas forças. Só que agora ele percebe que as coisas não são tão fáceis quanto no início. Poderosas forças internas e externas se levantam contra a sua intenção. É que não basta apenas restabelecer o antigo estado espiritual, o qual, apesar de suas virtudes, acabou sendo engessado por um certo formalismo religioso. O cristão sabe que a única saída agora é perseguir uma experiência espiritual mais profunda, sem precedentes na história da sua vida. Ele parece se encontrar em um novo momento de decisão, no qual deve optar entre se resignar com sua espiritualidade exaurida, ou lutar para penetrar numa dimensão mais elevada do conhecimento de Deus.
Um dos personagens que passou por situação, não completamente semelhante à que descrevi, mas um pouco aproximada, foi Moisés. Após ter passado quarenta dias no Monte com Deus, ele desceu com as tábuas do Testemunho. Então encontrou o seu povo envolvido numa orgia cultual em honra a um bezerro de ouro. Bastante indignado, ordenou a execução dos idólatras, mas a sua reação não foi suficiente para aplacar a ira divina. Ao saber que Deus não iria mais no meio do povo, Moisés ficou muito perturbado. Parecia que todo seus esforços, desde a saída do Egito até aquele momento, tinham sido em vão. O recurso da intercessão surge-lhe então como instrumento eficiente para resolver a crise.
Um fato curioso no relato bíblico é que, durante a sua desesperada intercessão pelo povo, Moisés fez a Deus um incrível pedido: "Rogo-te que me mostres a tua glória" (Êxodo 33:18). O que é a glória de Deus? É a sua realidade íntima e profunda, seu caráter, a sua forma de relacionar-se com as suas criaturas. Moisés queria contemplar a Deus em todo seu poder e majestade.
Mas a pergunta que deve ser respondida é essa: Por que Moisés quis ver a glória de Deus? A resposta é que ele estava psicologicamente instável naquele momento. A simples imaginação de que ele iria ter de liderar milhões de pessoas sem a presença da "shekinah" de Deus lhe causava uma angustiante sensação de desamparo. A única coisa capaz de acalmar o seu espírito seria obter da parte de Deus um sinal inequívoco do seu favor e graça. Ele tinha de assegurar-se de que a presença de Deus continuaria com ele, Arão e Josué. Por isso pediu que Deus se manifestasse em pessoa, em toda a sua glória. Como sabemos, esse pedido foi atendido apenas parcialmente, pois Deus permitiu que Moisés o visse apenas de relance, "pelas costas". Naquela breve visão de Deus "pelas costas", Moisés compreendeu que a glória do SENHOR é revelada através de sua misericórdia, graça, compaixão, fidelidade, perdão e justiça. Ele assimilou o mais importante: a visão do amor de Deus.
Apesar de Deus ter manifestado uma ínfima fração da sua glória, podemos ter certeza de que essa experiência teve um tremendo impacto em Moisés, proporcionando-lhe uma compreensão mais ampla da natureza divina. Obviamente não julgo adequado que reivindiquemos esse mesmo tipo de revelação direta, mas considero necessário que nunca estejamos satisfeitos com aquilo que já conhecemos pessoalmente a respeito de Deus. Creio, inclusive, que situações angustiantes surjam justamente para nos impelir a perseguir níveis mais elevados de espiritualidade.
Não tenho muita base escriturística para dizer isso, mas aparentemente existe evidência de que o cristão costuma se defrontar com um segundo ponto de virada, anos depois da conversão, no qual deve decidir se permanecerá estacionário ou se apresentará diante de Deus como o filho que almeja uma manifestação mais sublime da glória divina. Enquanto na conversão o crente é praticamente arrastado pelo poder da graça divina, nesse segundo momento a maior parte do esforço deve vir dele mesmo, e não de Deus. Quando criança somos ajudados, mas quando chegamos à fase adulta, a decisão e a iniciativa deve ser nossa. Deus quer que cheguemos a um novo estágio de espiritualidade, mas agora, tal conquista depende, em grande medida, do nosso próprio esforço de buscá-lo ávidamente, com todo o nosso coração e com todas as nossas forças.
Senhor, mostre-me a tua glória!
Senhor, mostre-me a tua glória!
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